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sexta-feira, 22 de julho de 2011
PeM, "Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio" de Fernando Pessoa (Ricardo Reis)
Poema de Ricardo Reis, um dos heterónimos de Fernando Pessoa, data de 12/06/1914.
Segundo o próprio Fernando Pessoa, Ricardo Reis foi educado num colégio de jesuítas, "é latinista por educação alheia e semi-helenista por educação própria", médico, viveu no Brasil, expatriou-se voluntariamente por ser monárquico, tem um interesse pela cultura Clássica, Romana e Grega. Fisicamente, é "um pouco mais baixo, mas forte, mais seco" do que Caeiro, de "um vago moreno, de cara rapada."
A seguir dito por Sinde Filipe, com música de Laurent Filipe, faixa 20 do CD dedicado a Fernando Pessoa, publicado pela Dinalivro.
Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio. Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas. (Enlacemos as mãos.)
Depois pensemos, crianças adultas, que a vida Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa, Vai para um mar muito longe, para o pé do Fado, Mais longe que os deuses.
Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos. Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio. Mais vale saber passar silenciosamente E sem desassossegos grandes.
Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz, Nem invejas que dão movimento de mais aos olhos, Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria, E sempre iria ter ao mar.
Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos, Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias, Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro Ouvindo correr o rio e vendo-o.
Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as No colo, e que o seu perfume suavize o momento – Este momento em que sossegadamente não cremos em nada Pagãos inocentes da decadência.
Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova, Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos Nem fomos mais do que crianças.
E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio, Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti. Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim – à beira-rio, Pagã triste e com flores no regaço.
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